sábado, 31 de janeiro de 2015

IMÓVEIS MAS NÃO INERTES - SR FRANCISCO BRENNAND 2º ATO


 
Minha bonita estória com o Sr. Francisco Brennand começou há alguns anos atrás quando escutei de uma amiga que esteve na sua Oficina e o viu caminhando entre as suas magníficas obras com as barbas longas e brancas e os cabelos presos num rabinho. Esta foi a imagem que me inspirou e tão gravada em meu subconsciente ficou... Que o sonho tornou-se realidade!

Comecei a me corresponder por e-mail com a secretária do Sr. Francisco, Cristiane Nascimento, perguntando se seria possível fazer uma entrevista com um tão genial artista e talvez umas fotos. Ela respondeu quais perguntas eu gostaria de fazer...

Enviei as sete perguntas e fiquei pensando o que exatamente perguntar para uma personalidade mundial? Mas pensei... Pensei... Parece que fiquei envolta numa emoção...

 

Prezada Cristiane Nascimento, 


Em resposta ao seu e-mail, envio-lhe por meio deste, as perguntas elaboradas ao artista Francisco Brennand. Entretanto, o meu principal interesse é conhecê-lo pessoalmente, porque senti ao estudar a vida dele uma intuição que me levou à sensação metafísica de identificação. 


1: A sua educação e convivência junto aos seus pais – na infância –, influenciaram o seu interesse pelo mundo artístico? 
2: Na juventude é notório que o Sr. iniciou amizades com Débora de Moura Vasconcelos e Ariano Suassuna; o relacionamento que o Sr. estabeleceu com os dois lhe inspirou e ou incentivou de que maneira a sua arte? 
3: Por que os seus totens mesclam, à minha percepção, ora abundância ora tristeza? E, levantando em consideração o quê fantástico dos mesmos, de que maneira o Sr. se comunica com eles e vice-versa?
4: E como o Sr. administra a inspiração para compor objetos artísticos de cerâmica tão diversificados? 
5: A que o senhor atribuí a sua inspiração artística e como o Sr. define a sua arte?
6: O Sr. tem, elegeu ou pretende ter algum discípulo que possa dar continuidade à sua dedicação artística? 
7: Por fim, qual a sensação de alcançar a realização profissional artística; deixando um riquíssimo legado para o Nordeste, o Brasil e o mundo? 

P.s: Se o Sr. Brennand não gostar ou não quiser responder as perguntas acima, gostaria apenas de uma breve conversa – para sentir a mística energia do artista –, e se possível fazer algumas anotações... Se possível, também, uma foto com o Sr. Brennand. 

Atenciosamente 

Izabel Mussi

 

Para minha feliz surpresa, agora do próprio Sr. Francisco... Estremeci... Fiquei muito emocionada e até com receio de abrir... Mas quando abri o e-mail com suas ricas e generosas respostas... Chorei de alegria. Fiquei muito feliz.

 



Prezada Sra. Izabel Mussi,

 

Em primeiro lugar, congratulo-me pelo fato de você ser uma parapsicóloga e escritora. Passemos às suas indagações:


1: A sua educação e convivência junto aos seus pais – na infância –, influenciaram o seu interesse pelo mundo artístico?

 

Ortega y Gasset disse uma vez: “Eu e minhas circunstâncias”. Então, não pude evitar o fato de ter nascido numa casa em que o seu dono cultivava certos valores artísticos. Além disso, tocava piano. Meu pai era um cultor de Beethoven e lia Balzac no original. Na sua biblioteca estavam presentes Shakespeare, Balzac, Machado de Assis, “A História Natural”, de Buffon, a “Bíblia Sagrada”, ilustrada por Gustave Doré, o “Dom Quixote”, de Cervantes – livros ilustrados que, nós irmãos olhávamos. Agora que influência isso teve sobre os meus irmãos? Não sei. Sobre mim exerceu uma fascínio definitivo.

Entre outras virtudes, meu pai era um colecionador de arte. Colecionava porcelanas da China e quadros. Fui encarregado, e poderia ter sido meu irmão mais velho, para verificar o andamento de uma restauração de quadros entregues a um pintor (o único restaurador existente no Recife, o pintor Álvaro Amorim), isso em 1942, quando eu tinha apenas 15 anos. A partir deste momento, posso dizer que jamais pensei noutra coisa a não ser me dedicar à pintura e a tudo o que ela poderia representar.


2: Na juventude é notório que o Sr. iniciou amizades com Débora de Moura Vasconcelos e Ariano Suassuna; o relacionamento que o Sr. estabeleceu com os dois lhe inspirou e ou incentivou de que maneira a sua arte?

 

Esse encontro foi definitivo não só na minha formação como nas minhas direções sentimentais, pois, do namoro com Deborah de Moura Vasconcelos, acabei por casar-me com ela e viajar para Paris. Encontrei-a no mesmo colégio em que estudava Ariano Suassuna. Ambos, como eu, cultivavam a literatura e de uma maneira singular Ariano tinha bastante conhecimento de pintura, coisa rara num aprendiz de escritor. E acontece que, o  jovem Ariano, sendo egresso do Ginásio Pernambucano, esse colégio estadual se dava ao luxo em ter uma biblioteca, onde Ariano pôde consultar alguns livros sobre pintura moderna: o impressionismo e o cubismo francês e o expressionismo alemão.

Antes de embarcar para Paris, muito enamorado de Deborah, modelei a sua cabeça em barro mas não queimei. Ela tinha um perfil grego, de grande beleza. Como a escultura não passou pelo forno, tive o desprazer de, ao voltar da Europa, encontrá-la quebrada. Felizmente, sobrou-me uma fotografia. O único testemunho de minha aventura cerâmica anterior a minha conversão definitiva ao mundo cerâmico é, portanto, apenas uma diminuta foto em preto e branco.

A vocação de Deborah para a poesia  veio da infância mas ela manteve em segredo. Na verdade, seu poema “Na longa claridade” é uma das mais belas coisas escritas sobre mim. Chego a dizer que se os seus oito livros publicados tivessem sido escritos na língua inglesa, ela seria, com certeza, a maior artista de todos nós. Não tenho dúvida nenhuma. O poeta Roberto Alvim Corrêa (1901-1983) que viveu a maior parte de sua vida na França e que criou uma editora em Paris, as Édition Corrêa, viu os poemas de Deborah e ficou encantado. Pediu para fazer um prefácio no momento em que ela publicasse o seu primeiro livro. Isso veio a acontecer em 1965. Prefaciou “O Punhal Tingido”, cuja capa é de minha autoria.

Neste prefácio, Roberto Alvim chega a declarar que “o artista veementemente barroco não é o pintor (isso se referindo a mim), é o poeta, o que faz pensar em pintores como, entre outros, Rouault, Vlaminck, outrora Bosch, Brueghel, Herrera (o velho), Valdês Leal. Veja bem, o crítico elogia o poeta (Deborah) e fala no seu espírito barroco comparando-a a pintores antigos e modernos da mesma estirpe e isso sabendo-a casada com um pintor. Preciso dizer mais?

 

3: Por que os seus totens mesclam, à minha percepção, ora abundância ora tristeza? E, levantando em consideração o quê fantástico dos mesmos, de que maneira o Sr. se comunica com eles e vice-versa?

 

Os totens urdidos pelos homens não escapam da essência de seus criadores. Ora, dizia Montaigne: “Todo homem carrega em si a forma inteira da humana condição”.

Sirvo-me frequentemente da mitologia grega e também de episódios históricos. Assim, falando na Revolução Francesa, os meus heróis não foram os revolucionários e sim o pobre Luís XVI e a desafortunada princesa austríaca Maria Antonieta. Em todo caso, Joana D’Arc tem um papel de destaque e é considerada heroína e santa. Realizei “mil e uma esculturas’, como “as mil e uma noites” e posso assegurar que elas são “imóveis mas não inertes”, no dizer do poeta D’Annunzio, citando uma legenda latina.


4: E como o Sr. administra a inspiração para compor objetos artísticos de cerâmica tão diversificados?

 

Da minha cerâmica posso dizer sem susto: ela é carregada de uma pesada carga sexual. Uma vida de aventuras excessivamente libidinosa me fez refletir sobre o que representa o ato sexual além da atração e, sobretudo, as complicações que existem em relação a nossa própria sexualidade.

Basta dizer que este assunto espinhoso está sendo discutido até em praça pública e em passeatas. Uma confusão babélica. Não existe nada mais confuso do que a nossa sexualidade. Devemos ao historiador britânico Arnold J. Toynbee (1889-1975), que não devia nem ser um entendido em sexo, uma observação genial: “O sexo mais do que a morte deixa o homem diante de uma perplexidade insanável”. Mais do que a morte. Nada nos deixa mais inquietos e sem graça do que a morte, mas, o sexo nos faz ainda mais perplexos do que a morte. Se há alguma coisa que não entendemos, é a nossa própria sexualidade. Camille Paglia (“Personas Sexuais”), afirma que não está no nosso alcance entendermos a nossa sexualidade. Caso isso fosse possível, entenderíamos o Universo. Para mim, a sexualidade é o grande Enigma porque nela está embutida a reprodução – um emblema de imortalidade. As coisas são eternas porque se reproduzem.


5: A que o senhor atribuí a sua inspiração artística e como o Sr. define a sua arte?

 

Sou profundamente ligado aos arcaísmos ou seja,  as informações primordiais (primevas). Quando talvez a palavra beleza ainda não tivesse sido pronunciada. Portanto, estou muito ligado, por assim dizer, ao mundo do fetichismo. Aliás, a própria restauração da antiga Cerâmica São João da Várzea foi toda feita por mim próprio sem consultar sequer nenhum arquiteto. Preferi minhas recordações de infância quando brincava com meus irmãos nesses corredores penumbrosos e nos velhos fornos que mais pareciam catacumbas. O mistério deveria ser preservado.


6: O Sr. tem, elegeu ou pretende ter algum discípulo que possa dar continuidade à sua dedicação artística?

 

Permaneço o primitivo do meu próprio caminho. Formei artesãos, não artistas. Talvez os quatro volumes do meu diário que mantenho desde 1949, quando publicados, possam esclarecer essa afirmação.


7: Por fim, qual a sensação de alcançar a realização profissional artística; deixando um riquíssimo legado para o Nordeste, o Brasil e o mundo?

 

Posso dizer um tanto melancólico que minha obra não está terminada. Precisaria viver mais 50 anos para concluí-la.

 

Respondi agradecendo

 

Caro Sr. Francisco Brennand,

 

Primeiro quero agradecer a sua gentileza e sensibilidade ao responder as minhas perguntas. Fiquei emocionada e muito feliz!


Durante uns dias fiquei refletindo sobre o quanto aprendi com as suas generosas respostas.


Senti-me honrada também e imagino quão belo Ser existe aí. Parabéns, o Senhor é genial, suas obras são fantásticas, eu o admiro muito. Quanta riqueza!


Vou agora sentir as suas obras... Vou tocar... Olhar... Sentir!

 
 


Pretendo visitar a sua Oficina na próxima sexta-feira dia 23 e, vou senti-lo através das suas obras. Posteriormente farei uma bonita matéria a seu respeito.

 

Escrevi uma autoterapia cujo título “Adorável Sedutora... Uma sessão de autoterapia” e, pretendo lançar em breve. É uma narrativa dividida em “atos” muito interessante. É um livro contemporâneo que fala sobre sedução, sexo e prazer de maneira natural e bonita. Eu me refiro a uma “plateia” onde existe certa necessidade de compô-la adequadamente.

 

Desculpa Sr. Francisco por escrever tantas coisas, mas realmente aprecio muito a sua cultura e sabedoria.

 

Com carinho,

 

Izabel Mussi.


Porque percebi que ele havia aberto um espaço. Porque respondeu as perguntas generosamente, mas não se despediu.

Depois de uns dias, a secretária do Sr. Francisco me enviou um e-mail dizendo que ele gostaria de conversar comigo. Comigo?

 

Olá Izabel!
Bom dia!

O senhor Brennand gostaria de lhe encontrar e conversar com você. 
Dessa forma, ele pede que assim que você chegar na
Oficina,  na sexta-feira, dia 23 se identifique na portaria da Oficina.

Grata.
Quase desmaiei.

Pediu que quando eu chegasse à Oficina, me identificasse e ainda me agradeceu.

A minha emoção foi crescendo... Acredito que temos uma afinidade metafísica, porque quando fui me aproximando da sala onde se encontrava o Sr. Francisco, um som calmante... Os cânticos gregorianos que tanto gosto. Parecia que eu estava num local misterioso... Calmante... Belo!

A porta abriu e logo o beijei no rosto como se já o conhecesse há muito. Nossa conversa foi longa e informal. Ele é Encantador... Aprendi muito com ele. Ele está no meu coração e vou carrega-lo sempre com muito carinho. Obrigada! Muito obrigada!

Sr. Francisco é um gênio na arte da cerâmica.

Ele é ADORÁVEL.

 

Com amor,

Adorável Sedutora

 

2 comentários:

  1. Bravo!

    Je suis tres impressionne par la qualite de ce reportage et tres interesse par son contenu
    J'ai eu l'occasion de visiter recemment l'oeuvre de Monsieur Brennand ainsi que la fabuleuse collection presente dans le chateau attenant lors d'un voyage au Bresil a l'ete dernier
    J'ai ete subjugue par la dimension de l'artiste et la qualite des oeuvres d'art exposees
    J'ai toujours plaisir a me connecter regulierement a ce Blog qui donne au grand voyageur que je suis un parfum particulier de Santa Catarina et plus encore un eclairage raffine sur ce grand Bresil pour lequel j'ai tant de respect.
    Je ne peux qu' encourager l'auteur a continuer et suis de tout coeur avec vous

    Toutes mes amities depuis Paris et encore BRAVO!

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  2. Espetacular entrevista e relato.
    Parabéns pelo grande e muito interessante trabalho seu !
    Abraços dos amigos porteños !
    Encantados con el Blog !!!!

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